Não confundir com vaca atolada porque aí muda a cultura
Parece que aqui, no sudeste excêntrico da Asia, a receita de bife rendang é sacra como a do nosso picadinho.
Rendang é um curry da Malásia.
Um prato extravagantemente rico, fácil de preparar, mas que leva tempo e muita paciência para cozinhar.
Na vida, faltou-me.
Ao contrário de muitos, este é um curry seco, a carne não nada em molho, muito menos, berço esplêndido.
Ruínas fumegantes, // o molho confunde-se com a sorte, salve! De Sumatra// Desmorona bem-vinda a carne. Curry grosso e escuro // aos olhos que turva de pranto picante,// mas formosíssimo exala
vapor // num arroz simples e branco que o envolve
de indômita virtude// feitos e d’alta resignação.
(Nolasco revira-se na tumba e eu nem pisco)
Fato é que a vida tem dessas e eu fui me associar a um bando de donas de casa com pouca ou nenhuma ocupação.
Da fauna toda, um pedaço: a indonésia em segundas núpcias com um australiano solteirão.
O primeiro filho foi deixado para o pai.
Junto com ele, histórias fantásticas de vilas e de dinheiro imaginário.
A vida de hoje é simulacro do que seria uma novela bem ao gosto do povo.
Riqueza temperada com pequenos dramas, senhorio a ser servido de rosé gelado.
Tudo à beira da piscina cujo deck necessita de um reparo.
A nossa personagem dizia-se estilista de noivas.
Contratando costureiras baratas na terra natal, ela produzia, na verdade, um sem número de saias e vestidos mal acabados, arrematados a preços nada camaradas por conhecidas do círculo social da escola dos dois novos filhos.
Não posso negar que alguns me caiam muito bem.
Numa dessas, uma madame polida em Londres e Nova York, mas completamente desacreditada por ser filipina, levou e não pagou.
Ah! Os pontos de virada das novelas populares.
Para ajudar a colega, e sempre me expondo aos riscos da selva do segundo escalão da sociedade, aquele que joga dados, cartas ou tarô para arriscar tudo por um degrau perto do topo, fui desenrolar a pendência.
O uso de palavras é sempre arma cruel.
Não importa a cultura.
As peças, depois de dois meses sequestradas, voltaram para a dona como resultado de um jogo de xadrez jogado em whatsApp.
Como recompensa, prometeu-me um bife.
Passados dez dias e nada do bife, recebo uma foto.
A carne num barro marrom, como que atolada numa poça da chuva dessa manhã.
Acompanhada de legumes verde-escuro – provavelmente pimentão que dá azia.
Já ia eu levantando as mãos para o céu a agradecer mais um almoço de segunda-feira solucionado quando ela soltou:
“- Fiz o bife, mas algumas amigas (as ricas) quiseram comprá-lo.
É wagiu (20 dólares 300 gramas).
Se você encomendar agora, consigo entregar amanhã”.
Recusei elegante alegando ter feito uma feijoada imaginária que seria degustada ao longo dos três próximos dias.
Fazer o quê?
O hexâmetro nunca gozou de grande popularidade em línguas Latinas.